*Por: Moisés Muniz Lobo
O uso de tecnologias de reconhecimento facial torna-se cada vez mais comum e atende aos mais variados fins. A Microsoft, por exemplo, patenteou um letreiro que, além de reconhecer quem passa a sua frente, exibe propagandas adequadas ao seu gosto. Existem aplicativos que podem comparar rostos com quadros e esculturas e algumas lojas já usam a solução para acompanhar clientes e descobrir os seus padrões de compra.
O Facebook, uma empresa privada, mantém um sistema de reconhecimento facial cuja margem de sucesso na identificação é de 97,25%, enquanto o sistema usado FBI chega a aproximadamente 85%. A rede social não revela o tamanho do seu banco de dados, mas reconhece que possui mais de 250 bilhões de fotos postadas por seus usuários. Com mais de 350 milhões imagens postadas diariamente, o diretor de engenharia de Inteligência Artificial da empresa admite que seria “o maior banco de dados humanos do mundo”.
Na China, um dos países que mais investe em tecnologia, o reconhecimento facial já é usao para a realização de pagamentos ou para multar pedestres que atravessam fora da faixa. No Tibet e em Xinjiang, o uso de câmeras em locais públicos e inteligência artificial permite que autoridades policiais sejam informadas se pessoas se afastaram mais de 300 metros de suas residências ou locais de trabalho. Mesmo em democracias, o uso de reconhecimento facial é usado por forças de segurança, em especial na chamada guerra contra terror, mas também no dia a dia das forças policias. No Condado de Pinellas, na Flórida, por meio de dispositivos móveis, como câmeras digitais e notebooks, serve à identificação de suspeitos em meio a multidões.
No Brasil, não existe uma legislação específica para tratar do tema, o que libera o uso da tecnologia por empresas ou pelo Estado para praticamente qualquer fim. A Lei 7123/15, do Estado do Rio de Janeiro, que regulamenta o controle biométrico facial nos ônibus intermunicipais, é uma das poucas no país que controlam o uso do reconhecimento facial. Apesar disso, pelo menos quinze aeroportos do país usam-na para identificar pessoas e cruzar as informações com as bases de dados da Interpol e da Receita Federal.
A escassez de legislação sobre o tema permite a ocorrência de abusos, como invasão de privacidade e troca de informações pessoais de clientes por empresas, tal como outras tecnologias já permitiram. Esse cenário eleva a insegurança quanto ao seu uso por empresas e Estado. No Brasil, a interceptação telefônica, instrumento que deveria atender apenas a situações excepcionais, tem seu uso autorizado quase que diariamente pela Justiça. Empresas negociam dados de clientes, mas, quando há regulamentação, classificam-na como um obstáculo à livre iniciativa. Caso a tecnologia melhore o atendimento, crimes contra a privacidade acabam socialmente aceitos.
A regulamentação do uso do reconhecimento facial é necessária. É preciso estabelecer limites quanto ao monitoramento de pessoas ou a identificação de hábitos de consumo. Não há hoje normas claras quanto à proteção e segurança de dados ou sobre procedimentos de segurança mínima que uma companhia privada ou pública deva seguir para usar seu banco de dados facial. Em sua versão original, o Projeto de Lei 5276/2016, que tramita no Congresso, previa a proteção a dados biométricos (incluindo identificação facial), mas existe a possibilidade disso ser mudado quando a lei for ser votada. Resta uma abordagem genérica, a partir do Marco Civil da Internet, para tratar sobre o tema. A tecnologia pode ser uma ferramenta importante no combate ao crime e para a geração de receita pelas empresas. Mas, sem a devida proteção jurídica, pode se tornar um mecanismo de controle social ou de exploração comercial desenfreada.
Moisés Muniz Lobo é sócio do escritório Pereira Gonçalves Sociedade de Advogados (PGSA).