LGPD: um dos mecanismos de proteção ao Direito Fundamental

Dra. Rosecler Segura de Campos – Diretora na Segura Advocacia

Por Dra. Rosecler Segura de Campos

Diretora na Segura Advocacia, Banca de Advogados, em São Paulo (www.SeguraAdvocacia.Com.Br)

 

 

O nascimento de uma Lei pressupõe uma necessidade social, geralmente acontecimentos históricos, mudanças nas estruturas sociais e de comportamento humano. O homem é um ser gregário sua convivência, sobrevivência e subsistência dependem de regras e ferramentas de ordem e organização que tornem a vida social harmônica e produtiva. A Lei quando bem utilizada é um instrumento capaz de conduzir a sociedade para caminhos de progresso. Um exemplo clássico é a Declaração Universal dos Diretos Humanos, inspirada na Carta das Nações Unidas, reconhecendo a barbárie sofrida pelos povos em situação de guerra mormente a 2ª guerra mundial. Nasce, nesse contexto, a ideia de liberdade, as ditas “quatro liberdades”: liberdade de expressão, liberdade religiosa, liberdade de viver sem penúria, liberdade de viver sem medo.

A Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, foi uma resposta a violência e ao genocídio que matou milhares na 2ª Guerra Mundial, seu artigo 1º é claro e descreve o que deveria existir, liberdade e igualdade, praticamente os ideais iluministas: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.” Os ideias de sociedade justa sempre surgem diante de conflitos, guerras, revoluções, são estes terríveis acontecimentos que despertam a consciência do coletivo.

A Lei de Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) não foge à regra, nasceu de uma necessidade real humana: a segurança virtual. A velocidade das informações pessoais armazenadas quando disseminadas sem critério como se a Internet fosse terra de ninguém beira o absurdo. A posse sem regras de algo imaterial e ao mesmo tempo tão íntimo e pessoal se não tratado com responsabilidade e critério pode gerar danos irreversíveis as formas de coexistência social harmônica.

Referida Lei, tem como objeto central não somente a “proteção de dados pessoais”, vai além. Seu artigo 2º está interligado aos ditos Direitos Fundamentais assim a liberdade, privacidade, dignidade, livre desenvolvimento da personalidade, cidadania tudo em clara consonância com o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, a denominada “Constituição Cidadã”. A “Constituição Cidadã, nasceu em oposição aos anos de ditadura com escancaramento de abusos contra a pessoa humana calados pela censura e violência, revelados pelo tempo e pelas pessoas que sobreviveram a esse horror.

 

Ser e Existir em sociedade

 

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais revela precípua preocupação com o Direito Fundamental em seu artigo 1º “tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais” “com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”, tais direitos são de fundamental importância ao Ser e Existir em sociedade, durante séculos extintos e atualmente prestes a serem novamente atingidos de maneira sutil, imperceptível. A sociedade desconhece quais os reais prejuízos de um vazamento de dados e não falo apenas dos titulares de dados pessoais, mas também daqueles que os detém: o prejuízo existe e atinge a todos de forma indeterminada.

A Lei em questão surge com mecanismos de proteção assim as classificações “dados pessoais: CPF, RG, gênero, residência, nascimento, fone, renda, preferências de lazer, cookies, endereço de IP, sua classificação dentro da sociedade tanto territorial/geográfica quanto posição financeira (grifo nosso). “Dados sensíveis: origem racial, etnia, religião, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico, ou político, dado referente a saúde, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural”, o que a pessoa pensa e como ela age em sociedade (opinião, pensamento, ideia) (grifo nosso)

A liberdade, privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, tudo que a identifica socialmente, qual seja o seu “Ser” humano estão inexoravelmente e constantemente ameaçados graças ao advento/nascimento da Internet, os perigos da “rede”.

Estar de posse desses dados elencados acima é ter o Conhecimento aprofundado de Pessoas, tais informações possibilitam ao seu detentor identificar seu nicho de atuação no mercado e assim fornecer um serviço e ou produto adequado e satisfatório.

 

Boa Fé

 

O empreendedor/empresário ou entidade publica, deve ter ciência e consciência de que isto é de extrema valia e importância na medida em que permite ao detentor identificar, através da boa gerencia desses dados, o perfil de seu consumidor e assim promover seu empreendimento com assertividade, ou em caso de entidade pública com fim social de cumprir sua função seja de pesquisa, e/ou serviço social.

Proteger e gerenciar esses dados são responsabilidades que devem ser exercidas observando a Boa Fé conforme art. 6º da referida Lei, assim a informação sobre finalidade, livre acesso, ou seja, a garantia aos titulares de consulta a esses dados de forma gratuita, transparência, segurança, prevenção, não discriminação, prestação de contas. O consentimento do titular de dados pessoais conforme art. 8º da citada Lei “deverá ser fornecido por escrito ou por outro meio que demonstre a manifestação de vontade”.

Por outro lado, a transparência no tratamento dos dados é direito assegurado ao titular dos dados pessoais segundo o artigo 9º e mais especificamente no artigo 18 “o titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação aos dados tratados por ele, a qualquer momento mediante requisição”.

O titular pode e deve ter acesso a informações claras acerca de seus dados: se há tratamento, e como é feito, se houve compartilhamento, eliminá-los se assim desejar, anonimizar, enfim exercer o direito de liberdade. O titular pode ainda “peticionar em relação aos seus dados contra o controlador perante a autoridade nacional” caso haja necessidade, assim tal petição deve ser direcionada a ANPD.

O crime cibernético, o vazamento de dados sejam estes pessoais ou sensíveis, trazem insegurança a sociedade. A Lei deve regular este estado de coisas, a pessoa física ou jurídica deve olhar para isto com mais rigor, pois não se trata apenas de possível ressarcimento de Dano Moral. Sob o ponto de vista holística e não fragmentado é um “Dano Social”, quem perde somos todos nós na medida em que se deposita a confiança no simples preenchimento de um cadastro e, de repente, eis que este cadastro com toda informação pessoal é compartilhado sem critério ou cuidado disponibilizando caracteres e informações que podem nas mãos de estelionatários promover o caos que hoje vivemos.

 

Dano Social

 

A entidade detentora de dados deve manter um sistema de tratamento, em conformidade com a legislação vigente assim o artigo 42 da LGPD “o controlador ou operador que em razão do exercício de sua atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual, ou coletivo, em violação a legislação de proteção de dados é obrigado a repará-lo.”

O dano moral/patrimonial existe, mas o “Dano Social”, este caracterizado pela desconfiança, o descrédito, a insegurança colocam a sociedade em estado de tensão continua, graças a propagação de dados pessoais outrora fornecidos. Repentinamente os titulares de dados podem sofrer prejuízos por despreparo ou desdém daqueles que não mantém sistemas adequados de segurança de dados. A imagem de uma empresa sem esta preocupação não é recuperada facilmente após um evento de vazamento de dados pessoais.

Existe a preocupação com o Dano Moral ou Material a ser ressarcido pelos responsáveis por causar prejuízo a outrem, mas não há a previsibilidade do “Dano Social” este causado pelas mesmas razões, todavia sem definição legal ou doutrinaria tal definição surge agora definido pela autora que subscreve referido artigo literário, através da interpretação e analise da Lei e atuação em casos práticos de ocorrência de vazamento de dados.

A exemplo da negativa dos titulares de dados pessoais no mero preenchimento de formulários, a negativa em revelar determinado dado, a negativa em atender chamadas telefônicas e confirmar o que a atendente revela, o vazamento de dados gerou na sociedade a desconfiança nas empresas que procuram formar, preservar, inovar, alimentar um banco de dados.

A detentora desses dados pessoais deve promover a segurança, demonstrar com clareza e transparência que possui efetivo e seguro gerenciamento e tratamento de tais dados pessoais, que possui Boa Fé.

Os dados pessoais vazados, portanto, não prejudicam apenas o titular, mas seu detentor que corre riscos de não possuir mais um banco de dados ou possuí-lo de forma incompleta. Ainda quando vazado pode fornecer a sua concorrente o descontrole: aquilo que a Lei denomina de concorrência desleal, haverá o desvio de clientela.

A preocupação no tratamento de dados pessoais é de extrema importância, são esses dados capazes de alavancar um negócio ou desenvolver uma pesquisa cientifica, são estes dados capazes de manipular a sociedade, são esses dados capazes de difundir o medo destruindo toda estrutura de Direitos Fundamentais tão intrínsecos a natureza humana, seu modo de ser e se auto determinar. É sob o caos que nos encontramos: e dele nascem as ideias de pensar de forma coletiva, esse pensamento de “bem-estar comum” é o que traz a verdadeira Evolução.

Os Seres Humanos devem uns aos outros a plena existência e cada um possui o Direito de Existir e Coexistir Socialmente em sua Essência e Identidade, claramente uma evolução do antigo e sempre necessário conceito “amai uns aos outros como a ti mesmo”.

 

Mais sobre a Dra. Rosecler Segura de Campos:

Carreira de mais de 24 anos em Organizações de Grande Porte e Consultorias, tais como Vale, Alcoa, Petrobras, Horus, SQS, Âmbito, tanto em áreas jurídicas quanto em Empresas / Empreendimentos / Obras e em Gestão de Contratos / Projetos / Manutenção e Gestão de Processos e Sistemas Jurídicos; Atualmente é Diretora na Segura Advocacia, Banca de Advogados, em São Paulo (www.SeguraAdvocacia.Com.Br); Consultora Sênior na Horus Gestão Organizacional, Engenharia e Sustentabilidade; Membro do Subcomitê Brasileiro de Auditoria Ambiental e Investigações Ambientais Relacionadas (SC 2) da ABNT CB 38; Consultora / Advogada / Especialista em Direito; Governança Corporativa / ESG — Environmental, Social and Corporate Governance; Gerenciamento de Crises; Societário; Compliance, Auditoria e Investigação; Cybersecurity& Data Privacy; Telecomunicações e Tecnologia da Informação; Tecnologia e Inovação; Contenciosos; Penal Empresarial; Arbitragem; Mediação; Certificação / Lead Assessor / Auditora Líder em diversos Sistemas de Gestão (SG) Organizacional; ISO/IEC 20000-2— TI — Gestão de serviço — Parte 2: Orientação para aplicação de sistemas de gestão de serviço; ISO/IEC 27001— TI — Técnicas de segurança — SG Segurança da Informação (SI); ISO/IEC 27013— SI, segurança cibernética e proteção da privacidade — Orientação sobre a implementação integrada da ISO/IEC 27001 e ISO/IEC 20000-1; ISO/IEC 27031— TI — Técnicas de segurança — Diretrizes para prontidão de TI e comunicação para continuidade de negócios; ISO/IEC 27701— Técnicas de segurança — Extensão da ISO/IEC 27001 e ISO/IEC 27002 para gestão da privacidade da informação; ISO 14001— Meio Ambiente; ISO 45001— Saúde e Segurança do Ocupacional; ISO 31000— Gestão de riscos — Diretrizes; ISO 31022— Gestão de riscos — Diretrizes para a gestão de riscos legais; ISO 22301—Segurança e resiliência — Sistema de gestão de continuidade de negócios, dentre outras.

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